Há 50 anos era lançado Sheer Heart Attack, o terceiro álbum de estúdio dos Queen, que apesar de ter sido gravado durante um período difícil para Brian May, acabou por ser um aperfeiçoar de todas as técnicas inovadoras que os Queen foram aplicando nos dois álbuns anteriores e, que finalmente, puderam trabalhar à sua maneira, permitindo-lhes assim lançar o seu primeiro grande êxito – Killer Queen. Para marcar esta data especial, ou seja, as cinco décadas deste que Sheer Heart Attack chegou às prateleiras, deixamos aqui um artigo sobre a sua história, conteúdo e sobre o seu impacto na carreira dos Queen.
Um pouco de história:
O ano era 1974 e ainda em Março tínhamos assistido ao lançamento do segundo álbum da banda – o Queen II – estávamos agora em Abril e a banda encontrava-se em digressão pela América do Norte (como banda de abertura dos Mott the Hopple) quando Brian se sentiu mal e foi diagnosticado com hepatite. A digressão acabou por ser encurtada e o guitarrista começou a sua recuperação, mas logo em Julho desse mesmo ano, os Queen regressavam aos estúdios, desta vez para gravar o seu terceiro álbum – Sheer Heart Attack.
Brian recuperou deste problema de saúde e juntou-se à banda, mas infelizmente voltou a ficar doente, desta vez devido a uma úlcera duodenal. As gravações continuaram com os três membros restantes dos Queen a ultrapassar a questão da ausência do seu guitarrista deixando os espaços para os seus solos serem acrescentados à posteriori. Quando a sorte lhe voltou a sorrir, Brian regressou e gravou os seus solos e vocais, num disco que voltou a contar com a produção de Roy Thomas Baker.
Mais tarde Brian May diria: “Por alguma razão inexplicável, tínhamos uma sensação bastante diferente em relação ao Sheer Heart Attack, por causa da forma como fomos forçados a gravá-lo (referindo-se à sua doença). Considerando todos os problemas que tivemos, nenhum de nós ficou muito descontente com o resultado.”
Sheer Heart Attack foi gravado em quatro estúdios diferentes, sendo o principal o Trident Studios, onde já tinham sido gravados os dois álbuns anteriores. Para além do estúdio principal, foram também utilizados: o estúdio AIR e o Wessex Sound, ambos em Londres e o estúdio Rockfield, na zona rural do País de Gales.
O álbum:
Mais uma vez os Queen continuaram a arriscar, como já tinham feito nos antecessores de Sheer Heart Attack, criando uma paisagem musical com várias camadas, onde diferentes géneros musicais se entrelaçam para nos trazer mais uma vez a enorme diversidade que tanto caracterizam os Queen e as suas composições.
Começamos por Brighton Rock, onde apesar de todos os contratempos que Brian sofreu aquando da gravação do álbum, podemos ouvi-lo em topo de forma e completamente recuperado, dando tudo por tudo nesta sua composição onde a guitarra é definitivamente rainha. Mas para além da guitarra que nos conduz através das variações de Brighton Rock, é também graças aos vocais cheios de energia de Freddie que somos transportados para a história escrita por May. É realmente um tema alucinante, a rebentar de energia e nada o prova melhor do que a sua inclusão numa das cenas mais impressionantes no filme de 2017 Baby Driver. Não vale a pena entrar em pormenores sobre o filme, mas não se pode negar que uma perseguição de carro ao som de Brighton Rock fica muito mais interessante, por isso e ainda não tiveram a oportunidade de verem a cena em questão, aqui fica abaixo.
Segue-se Killer Queen, a composição de Freddie que altera completamente o ambiente, transportando-nos agora para um extravagante e arrojado tema conduzido pelo piano. Este seria o grande single a sair de Sheer Heart Attack e tornou-se um marco muito importante para a banda, elevando os Queen ao Estrelato Global, como Roger Taylor chegou a referir: “O nosso primeiro grande êxito internacional foi Killer Queen, uma canção que nos levou literalmente uma eternidade a construir. E acho que se nota. Ainda soa bem atualmente. Está bem tocada, soa bem, tem uma boa harmonia de vozes e uma letra muito original. Acho que funciona bem.”
Também Brian se chegou a prenunciar sobre o tema: “Killer Queen foi o ponto de viragem. Foi o tema que melhor resumiu o nosso tipo de música, e um grande êxito, e precisávamos desesperadamente disto para mostrar que conseguimos alcançar algo com sucesso… Sempre gostei muito desta música. Todo o álbum foi feito de uma forma muito competente. Ainda gosto de o ouvir porque tem muito para ouvir, mas nunca se torna atafulhado. Há sempre espaço para todas as pequenas ideias surgirem. E claro, gosto do solo, com aquela secção com três partes, em que cada parte tem a sua própria voz. Que mais posso dizer? É Queen Vintage.”
Depois da atmosfera mais pop de Killer Queen, voltamos ao Rock, desta vez pela voz de Roger, que aqui interpreta a sua Tenement Funster. A voz rouca do baterista, que já nos tinha presenteado com Modern Times Rock ‘n’ Roll e The Loser in The End, volta agora para nos encantar com este tema que é novamente uma prova do seu amor pelo bom e velho Rock ‘n’ Roll.
A perversa e sinistra Flick Of The Wrist, flui naturalmente para a muito mais profunda e pessoal Lily Of The Valley, que por sua vez dá lugar à enorme Now I’m Here. Este tema escrito por Brian no verão de 1974, presumivelmente enquanto estava no hospital, e teria tido como inspiração os dias de estrada durante a digressão com os Mott the Hopple. Para além do poderoso riff, os vocais convidam os fãs a cantar e, por isso, o tema tornou-se instantemente numa presença assídua nos espetáculos da banda até recentes digressões com Adam Lambert. Como Freddie Mercury contou ao Record Mirror, esta música serviu também para relembrar que os Queen continuavam a ser Rockers: “Lançamo-la depois da Killer Queen. E é um enorme contraste. Foi apenas para mostrar às pessoas que ainda conseguíamos fazer Rock 'n' Roll, não nos tínhamos esquecido das nossas raízes Rock 'n' Roll.”
A épica In The Lap Of The Gods foi muitas vezes classificada por Freddie como uma preludio de Bohemian Rhapsody, e é sem dúvida um tema que abre um pouco a cortina do que nos espera em A Night At The Opera. É uma composição em três partes que mais uma vez nos mostra o poder da voz de Roger Taylor, que aqui surge de forma tão aguda que muitos pensaram que o efeito tinha sido obtido com sintetizadores. Claro que Roger mostrou que estariam errados ao repetir o mesmo feito, noite após noite, nos espetáculos ao vivo.
A energia volta a estar em alta com Stone Cold Crazy, um tema cuja composição foi creditada aos quatro elementos da banda, mas cuja origem remontaria aos anos 60 quando Freddie pertencia à banda Wreckage. É sem dúvida o tema mais “pesado” da banda, assemelhando-se muito a Thrash Metal, um género que apenas nasceria nos anos 80, mas cuja velocidade e energia podemos encontrar aqui, ainda na primeira metade dos anos 70. E não é por isso de estranhar que os Metallica, um dos “Big 4” do Thrash Metal, tenham pegado em Stone Crazy e gravado a sua versão deste tema, que seria lançada com lado b do seu grande êxito Enter Sandman. Recordar que Stone Crazy seria brilhantemente interpretada, pelos Queen e James Hetfield, no tributo a Freddie Mercury, em Abril de 1992.
Os Queen continuam a levar-nos pela montanha-russa que é Sheer Heart Attack, onde tantas sonoridades diferentes se confrontam, mas as transições entre elas são tão perfeitamente executadas que não há qualquer elemento de estranheza e tudo parece encaixar no lugar certo.
Depois do comboio desenfreado que é Stone Cold Crazy, damos por nós embalados por uma muito mais delicada Dear Friends composta por Brian May, à qual se segue Misfire, o único tema do álbum cuja composição é atribuída a John Deacon, e o primeiro a figurar num trabalho da banda.
Com o álbum quase a chegar ao fim, temos uma muito animada Bring Back That Leroy Brown, composta por Freddie e que conta com o nosso querido Brian a tocar o seu ukulele-banjo, instrumento que teria aprendido com o seu Pai. O título da música tem como referência Bad Bad Leroy Brown de Jim Croce, lançada em março de 1973, tendo o artista perdido a vida apenas alguns meses depois do seu grande sucesso.
Igualmente experimental, mas com uma atmosfera muito mais melódica e citadina é She Makes Me (Stormtrooper In Stilettos), uma composição de Brian que volta a aligeirar a atmosfera e nos transporta para uma história de um amor unilateral, onde uma das partes parece entregar-se, enquanto a outra demonstra uma aparente crueldade com o seu admirador.
In The Lap Of The Gods… Revisited que encerra o álbum com chave de ouro, é sem dúvida um “hino” que pede a participação do público e que precede os grandes temas como We Will Rock You ou We Are The Champions, que iriam levar estádios inteiros a cantar desde a sua estreia em 1977. Mas claro que o poder de Freddie tem um enorme papel no impacto desta música na audiência, como Brian chegou a referir numa entrevista à UnCut “Essa música é o Freddie a ser esplêndido e a ser um deus – algo em que ele é realmente muito bom.”
E, não, não nos esquecemos do tema Sheer Heart Attack, que apesar de homónimo e de ter sido concebida exatamente para este álbum, acabou por não ter sido concluída a tempo e por isso não foi incluída no álbum. O tema acabou por ficar “na gaveta” tendo apenas sido lançado três anos (e três álbuns) mais tarde em News Of The World.
Quanto à capa do álbum, a banda voltou a trabalhar com Mick Rock, que já tinha sido responsável pela capa de Queen II. Para conseguir o visual único, muito particular e, “brilhante” que vemos na capa, os membros da banda foram untados com vaselina e, depois, borrifados com água. O processo poderá não ter sido o melhor, e de certeza não foi o mais confortável para os rapazes, mas a verdade é que o saudoso Mick Rock conseguiu uma fotografia poderosa, impactante e, acima de tudo, perfeitamente alinhada com a atmosfera intensa e vibrante do álbum, tornando-a instantaneamente reconhecível.
Impacto:
Freddie Mercury soube desde logo o quão importante este álbum era para a banda, tendo afirmado numa entrevista na época: “O álbum é bastante variado, suponho que o levámos ao extremo, mas estamos muito interessados em técnicas de estúdio e queríamos usar o que tínhamos disponível. Aprendemos muito sobre essas técnicas enquanto estávamos a gravar os nossos dois primeiros álbuns. Claro, tem havido algumas críticas, e as críticas construtivas têm sido muito boas para nós.”
O álbum Sheer Heart Attack seria então lançado a 8 de Novembro de 1974, inclusivamente em Portugal, e a receção foi impressionante, tendo alcançado o 2.º lugar no Reino Unido, onde foi Disco de Ouro. Seria o primeiro álbum dos Queen a entrar no Top 20 nos Estados Unidos, onde atingiu uma impressionante 12.ª posição (e também Disco de Ouro), e classificou-se bastante bem nas tabelas de outros países.
Das treze faixas do álbum Sheer Heart Attack, nada menos que nove surgiram nos espetáculos da época, e algumas, como Killer Queen e Now I’m Here, manter-se-iam por muitos anos. Sheer Heart Attack provou, sem qualquer dúvida, que os Queen estavam longe de ser apenas mais uma banda de Rock vulgar ou como algumas más-línguas diziam na época, apenas uma banda comercial da moda. A verdade é que se passaram 50 anos e tanto mudou durante as décadas que se passaram, mas Sheer Heart Attack continua a ser inovador, a mostrar a essência dos Queen e a soar tão bem como em 1974… não é por isso de estranhar que Sheer Heart Attack seja um dos álbuns mais queridos dos fãs.
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